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LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA: DA TEORIA À PRÁTICA

16/12/2020

Por João Carlos A. Corrêa de Mendonça

Um ano após a vigência da Lei da Liberdade Econômica (13.874/2019), marco de suma relevância no ordenamento jurídico brasileiro, cumpre perguntar se, de fato, ela trouxe efeitos práticos, considerando o seu propósito de desburocratizar o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas e colocar o Brasil novamente no radar dos investidores estrangeiros.

Como preceito básico para a sua aplicação, a lei estabeleceu premissas que devem ser observadas pela máquina pública, sendo que o artigo 3º e seus incisos determinaram os direitos essenciais para o desenvolvimento econômico do Brasil, quais sejam: (i) tratamento isonômico da administração pública; (ii) presunção de boa-fé no exercício da atividade econômica; (iii) garantia da cientificação sobre o prazo estipulado para a análise de pedido de liberação de atividade econômica com aprovação tácita em caso de silêncio da autoridade; e (iv) entre outros.
Apesar do caráter positivo e inovador, parte da máquina pública demonstrou despreparo tecnológico para seguir as suas diretrizes
Embora haja a busca pelo aprimoramento da máquina pública, o empresário continua enfrentando empecilhos diante de um sistema público cuja defasagem tecnológica é incompatível com a modernidade da legislação. Isso ficou ainda mais claro durante a pandemia, que impôs dificuldades adicionais às autoridades, tornando mais morosa a análise de documentos e o processamento de decisões. Somado a isso, a falta de uniformidade das decisões, gera insegurança jurídica e reitera o sistema burocrático brasileiro.

A lei também buscou inovações aplicáveis no direito societário e nas relações contratuais, delimitando inclusive a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com efeitos práticos salutares.

As alterações ao Código Civil impactaram fortemente o direito societário com a criação da sociedade limitada unipessoal. Antes, investidores que quisessem operar no Brasil precisavam de ao menos dois sócios para constituir uma sociedade limitada. Se optassem por apenas um sócio, deveriam escolher a Eireli, que exige integralização de capital de pelo menos cem salários mínimos.

Segundo dados do governo federal, em 2019 foram constituídas 146.118 novas Eirelis e 264.693 novas sociedades limitadas. Até setembro de 2020 foram constituídas apenas 77.110 Eirelis e 267.439 sociedades limitadas, números que não retratam a realidade do desenvolvimento econômico do país em razão dos efeitos negativos da pandemia. Entretanto, é claro o movimento pendular de diminuição da quantidade de Eirelis, em contrapartida ao crescimento de sociedades limitadas, tendo como propulsor a criação da sociedade limitada unipessoal.

Nas relações contratuais, a Lei da Liberdade Econômica quis proporcionar maior segurança jurídica às relações no âmbito privado, limitando a intervenção do Estado. Neste sentido, a inclusão do artigo 421-A e seus incisos ao Código Civil visou consolidar a prática do direito norte-americano já adotada no Brasil em contratos de operações de M&A, permitindo a fixação de parâmetros objetivos para interpretação de cláusulas negociais e de pressupostos de revisão ou de resolução.

Apesar do objetivo da lei, a sua aplicação ficou à mercê da interpretação dos tribunais. Felizmente, é possível verificar que boa parte dos magistrados a aplicam corretamente. Um exemplo é o julgamento realizado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do Agravo de Instrumento nº 2065856-76.2020.8.26.0000, em que o relator indicou que a revisão judicial contrato de compra e venda de quotas somente se daria em hipótese de excepcionalidade, nos termos do inciso III do artigo 421-A do Código Civil.

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica também sofreu importante delimitação com a inserção de quais atos caracterizam o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. Os tribunais já se posicionaram inúmeras ocasiões sobre o tema, empregando o novo texto do artigo 50 do Código Civil.

Em uma delas, o desembargador relator da 22ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2174573-85.2020.8.26.0000, evidenciou em seu voto que a Lei da Liberdade Econômica fixou expressamente parâmetros inerentes ao desvio de finalidade, traduzindo-se na utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos. Com isso, resta clara a inadmissibilidade da aplicação do referido instituto amplamente ou sem o fundamento correto.

É fato que a Lei da Liberdade Econômica trouxe inovação em relação aos institutos do direito empresarial e às relações privadas, visando a desburocratização em favor de atividades econômicas no país. Entretanto, apesar de seu caráter positivo e inovador, grande parte da máquina pública demonstrou despreparo tecnológico para seguir as suas diretrizes. Face a esse cenário, é evidente a necessidade de apoio financeiro e tecnológico do governo em todas as suas esferas para as adaptações aplicáveis, principalmente no que diz respeito à implementação de tecnologias necessárias para a comunicação rápida e eficaz entre as autoridades públicas e a automatização de determinados procedimentos, bem como a fixação do entendimento correto pelos nossos tribunais dos institutos abarcados pela lei.
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João Carlos A. Corrêa de Mendonça é sócio do Felsberg Advogados.

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Fonte: Valor
 
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