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A MELHOR DEFESA NÃO É O ATAQUE: REFORMULAR OS TRIBUNAIS DE CONTAS É PRECISO

06/03/2019

Por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

A atual crise financeira e fiscal dos estados, diretamente proporcional ao déficit de funcionamento institucional das cortes de contas, e os elevados índices de corrupção devem requerer, de tão evidentes, propostas urgentes de mudança em prol de um futuro melhor, debate que venho me ocupando ao tratar do atual sistema de controle externo no país, que é exercido pelos tribunais de contas.

De início, é importante remarcar que o fato de membros do Ministério Público de Contas desfrutarem de um plexo de direitos, legalmente conquistados, além de não ter a ver com o debate posto, não os torna indiferentes, reféns ou incapazes de refletir.

Exatamente por isso escrevi o artigo intitulado "O combate à corrupção e os Tribunais de Contas", publicado na revista do TCM-RJ em 2009.

O texto, ainda atual, expõe com dados, e não com meras conjecturas, as mazelas do sistema e todas as tentativas do MPC-DF em busca de melhores resultados, abordando desde a necessidade de transparência, passando pela excessiva morosidade dos processos de controle, até a comparação entre a recuperação do patrimônio público e os custos com o sistema.

A conclusão em tom quase profético, à época, não deixa margem a dúvidas: "o 'sistema', tal como hoje se encontra, precisa ser mudado".

Pois bem, revisitando o debate, expedi, em 2019, novo apelo (como o Ofício 57/19, ao TC-DF), debatendo as mesmíssimas questões, que transpuseram uma década sem solução, além de outras que se tornaram ainda mais graves.

Esses são, portanto, apenas alguns dos exemplos que corroboram a atuação incansável do MPC brasileiro ao longo dos anos, em projetos e tentativas de melhorias, os quais, contudo, no atual ordenamento jurídico, passam apenas pelo exclusivo crivo dos tribunais de contas, responsáveis pelos julgamentos que proferem; pela qualidade de resoluções/normas internas que editam e pelo encaminhamento ao Poder Legislativo (em face da competência legislativa reservada que possuem) de propostas de lei, aptas a desencadear a votação de normas jurídicas que podem trazer melhorias ao sistema de controle. Diversamente, o MPC não possui, ao contrário dos TCs, as mesmas ferramentas e atribuições.

De mais a mais, hoje há apenas 167 procuradores do MP de Contas no país, número bastante inferior ao de conselheiros e conselheiros substitutos, sendo que, em alguns casos, os TCs tentam diminuir esses quadros, o que equivale a decretar a morte da carreira, por exaustão. Assim, sem independência orçamentária, não compete ao próprio MPC, mas às cortes de contas, recompor as lotações necessárias; realizar concurso; obter melhores condições de trabalho, material e de pessoal.

Apesar disso, é fato demonstrável, com dados, que o MPC faz muito com pouco, atuando para além dos processos de controle externo, em diversas outras frentes, bem mais efetivas, como as parcerias entre órgãos, redes de combate à corrupção, inclusive buscando maior aproximação com a sociedade, práticas que, também, tentaram ser reprimidas em algumas cortes de contas, felizmente rechaçadas pelo Poder Judiciário.

Não deve ser à toa, então, que diante desse quadro de evidente distorção a reforma constitucional surja como a única possibilidade real de melhoria do sistema que está posto. Uma dessas iniciativas é a que foi apresentada pela Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (PEC 329), que quer rever o modelo atual, conferindo ao MPC completa independência; alterando o modo de escolha de membros dos tribunais de contas, submetendo-os a controles e fiscalização sobre suas ações, em prol da sociedade, além de criar um sistema legal, capaz de reduzir a discricionariedade e o voluntarismo nessas matérias.

Assim, as críticas destiladas contra os defensores da ideia, inclusive com evidente excesso de linguagem, como a alusão à "má-fé", só podem trespassar o próprio Parlamento, já que a medida foi subscrita por mais de 170 deputados, que, legitimamente, querem debater um melhor sistema de controle, e, também, entidades da sociedade civil, como a Transparência Internacional, que apoia as mudanças.

Pior ainda é referir-se ao concurso público, abordado pelas novas medidas, de forma pejorativa, como algo elitista, o que acaba por alcançar agentes e servidores públicos concursados, merecedores, ao contrário, de homenagens.

Isso tudo, por outro lado, em nada se contrapõe à legítima atuação política no Parlamento, absolutamente essencial para o debate democrático em nosso país. Ou seja, não há qualquer contrariedade, fomentada pelos idealizadores da proposta de mudança, ao exercício do mandato legislativo, alcançado por meio do sufrágio, o que não se confunde com a atividade técnica, a cargo dos tribunais de contas.

Forçoso é reconhecer, sem mais, que não será através de ataques à sempre bem-vinda reflexão, sobre esse estado de coisas e o seu necessário aperfeiçoamento, que o povo será convencido de que o atual modelo de TCs é o melhor para a sociedade.

Não será, também, terceirizando a própria culpa que o foco da questão será desviado. Nesse fenômeno psicológico conhecido como projeção, "a mente evita o desconforto da admissão consciente da falta cometida, mantém os sentimentos no inconsciente e projeta, assim, as falhas em outras pessoas ou algo". Além de nada resolverem, por esse modo, os responsáveis por tais mecanismos de defesa só conseguirão é ficar cada vez mais desacreditados perante a sociedade.

Ao contrário, será por meio do respeito ao povo brasileiro e da dialética que as mudanças acontecerão, construindo-se um novo modelo de controle, melhor e mais eficiente, para além da defesa de cargos e privilégios pessoais.

Fonte: Conjur

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